31 outubro 2009

Um pequeno aviso

De azulinho, tão bem que ele fica!

Tinha posto aqui um texto que entretanto eliminei. Fica apenas aqui uma pequena reflexão sobre o Corruptos-B - SL Benfica:
Alguém acha que que, à 9ª jornada, alguém nos deixaria ficar com cinco pontos de vantagem sobre os corruptos? Sinceramente, somos ingénuos, caros benfiquistas...
De qualquer modo, o aviso continua: com a nossa preparação empresarial, com os jogadores que temos para vender e com o que jogamos, mesmo perdendo...
AINDA TERÃO DE NOS ROUBAR MUITO MAIS!
Aguentem!

29 outubro 2009

Sumaríssimos (6)


The Informant! é o terceiro filme de Steven Soderbergh este ano. E sofre com isso: o formalismo sem desculpas que o cineasta utiliza para contar a história do maior denunciante intra-empresarial da história dos EUA é já parte de uma gramática regular e até algo previsível, incluindo filtros de imagem, ângulos pouco comuns e referências ao passado cinéfilo (aqui os eternos anos 70 americanos). O caso é interessante, há bons gags, Matt Damon está óptimo, Scott Bakula está muito bem e continua a ser a um tempo fácil e estimulante de ver, mas já vi este filme três vezes este ano.

25 outubro 2009

O "special one" original


Brian Clough era o homem que faria José Mourinho urinar-se pelas pernas abaixo. Grande jogador no seu tempo (254 golos em 271 presenças ao serviço de Middlesbrough e Sunderland) alcançou o seu espaço entre os grandes quando, ao serviço do Nottingham Forrest (ou melhor, o Forrest é que estava ao serviço dele) pegou na equipa em 1975 ainda na segunda divisão e, chegado a 1980, já havia conquistado duas Taças dos Campeões Europeus – algo que um conjunto de calimeros reptilíneos habituados a batatais nunca hão-de conseguir. Auxiliado pelo adjunto Peter Taylor (que o salvava de si próprio) foi também um dos primeiros treinadores europeus verdadeiramente mediáticos, procurando jogos psicológicos constantes, criando métodos de trabalho pouco ortodoxos e sendo verdadeiramente desbocado, irritante, volátil e arrogante como só os génios são.

The Damned United, filme de Tom Hooper, passa pelo feito de Clough ao tornar, em 1972, o Derby County campeão inglês, para se fixar nas tumultuosas seis semanas que o “mister” passou no Leeds United. Á época o mais forte conjunto britânico, ancorado num jogo violento e sem escrúpulos (tipo FCP circa 1992) e antes treinado pelo também famoso Don Revie, contava uma série de jogadores influentes que de imediato o rejeitaram, quer na sua vontade de tornar mais ético o estilo de jogo, quer na sobranceria que demonstra face às conquistas anteriores do plantel. O resultado é um filme cem por cento ancorado na sua personagem, valiosíssimo retrato de uma grande figura desportiva da sua época mas com bastos problemas estéticos.

Adaptado do livro homónimo de David Peace, contestado por intervenientes e pelos descendentes de Clough, The Damned United é, no seu melhor, um retrato da ambição que conduz as grandes figuras desportivas, aquelas que sem grandes provas dadas sentem que podem chegar longe, apenas e só com a força do seu trabalho e com uma ideia de predestinação que acabam por tornar auto-realizável. Quando resulta, é um filme que resulta o seu pathos ao focar-se não no sucesso, mas nas dificuldades que o antecederam, na travessia do deserto de alguém que percebe o seu talento mas é eternamente ultrapassado por gente muito mais medíocre e que usa isso como fonte de motivação. Não lhe falta também um lado de transcendência das limitações sociais – aspecto relevante no futebol britânico – mas trata, em suma, da frustração como factor essencial ao sucesso.

Posto isto, é pena que Tom Hooper falhe na sua tentativa de estilizar o realismo britânico, optando por um estilo barroco, com filtros de imagem e grandes angulares e outras opções que tornam The Damned United espalhafatoso, falsamente moderno e, no limite, esteticamente pouco recompensador. Ao que se junta o facto de as poucas vezes que as partidas são reconstituídas o serem de forma pouco convincente (a melhor reconstituição é a do jogo “visto” no balneário) e a falta de atenção dada a Peter Taylor, no que poderia ser outro filme: como se sente o homem que vive na sombra do génio?

Apesar de tudo, The Damned United tem duas grandes interpretações, (Michael Sheen e Timothy Spall) e é o melhor filme que vi passado no mundo do futebol, dado que o desporto-rei tem sofrido, cinematograficamente, com a sua falta de implantação nos EUA. E até pode dar uma ideia interessante a um produtor português: um filme sobre o mês e meio passado por Mourinho no Glorioso antes de ganhar uma Taça Uefa e uma Champions ao serviço de um clube cujo nome agora me escapa.

22 outubro 2009

Mais uma voltinha, mais uma viagem


Quando Saramago abre a boca, pode ser que diga uma asneira. Que, curiosamente, se desmultiplica imediatamente num chorrilho de outras asneiras, num todo confortante e recorrente. Como um casal que, apesar das discussões constantes, não consegue viver separado.


Se fui educado de acordo com os preceitos católicos, hoje estou calmamente afastado deles. Fartei-me de ver na igreja gente que era do pior durante a semana e achava que quarenta e cinco minutos ao domingo serviam de expiação. Concomitantemente, não suporto ver padres presentes em cerimónias públicas num estado laico e ainda me lembro de calinadas difíceis de engolir mesmo passados anos - lembram-se do padre que, em pleno funeral da menina imersa pela família em água a ferver, afirmou que apesar de tudo teria sido pior se a criança tivesse sido abortada? Nada disto faz com que subscreva as infelizes palavras do Nobel português da literatura. Quanto mais não seja porque a validade cultural daquele livro é indesmentível: para o bem e para o mal, aquele livro, como a Ilíada, a Odisseia, o Dom Quixote e a poesia de Dante está dentro de todos nós, como artefacto civilizacional, mesmo naqueles que não o leram. Simultaneamente, acho estranho que Saramago tenha ignorado quanto há de evolução ontológica na transformação da ideia de Deus do Antigo para o Novo Testamento.


Quanto aos senhores que, muito escandalizados, vêm agora pedir a cabeça de Saramago como Salomé a de João Baptista, muito menos dou para o peditório deles. O problema deles com Saramago começou em 1998, quando um escritor vermelho de ideologia venceu um prémio Nobel, numa rebelião cujo expoente actual é o Cardeal Cerej... perdão, Pedro Mexia. Não por acaso, nenhum desses senhores, tão lestos a denunciar o políticamente correcto e a forma como são supostamente cerceados na sua opinião esquecem-se agora de dar o direito de opinião a outra pessoa, deixando esse papel a Manuel Alegre. Já dominam os jornais, as televisões, as mentalidades de grande parte do país, mas ainda lhes dói que haja um espírito livre. Aguentem.


E, de caminho, aguentem também a ideia, o tão simples mas tão complexo conceito de liberdade de expressão. Também não gosto de ouvir atrasados mentais dizer que o Benfica era o clube do regime (factualmente mentira), o Presidente da Confederação de Industriais Portugueses falar da necessidade de salários baixos ou que o Slumdog Millionaire é um grande filme, mas tenho de lidar com isso. Caso tenham de marrar contra alguma coisa, marrem contra a protecção dada à extrema-direita ou a este pobre prisioneiro político.

14 outubro 2009

Take 19 - Outubro


Já está disponível o novo número da Take. Neste, contribuí com o artigo de capa, sobre Pedro Almodòvar, com antecipações a The Informant de Steven Soderbergh, Un Prophète de Jacques Audiard e The White Ribbon de Michael Haneke, fiz a cobertura do Motelx a meias com António Pascoalinho, entrevistei Stuart Gordon, critiquei Séraphine de Martin Provost, A esperança está onde menos se espera de Joaquim Leitão, Taking Woodstock de Ang Lee e Arena de João Salaviza (em despique com o Pedro Soares), Abraços Desfeitos de Pedro Almodovar e Para a Minha Irmã de Nick Cassavettes e escrevi sobre o mini-ciclo da Cinemateca dedicado a Elia Kazan. Foi um mês atarefado.


Fora o meu trabalho, há muito mais conteúdos interessantes na edição deste mês. Passem por lá.

05 outubro 2009

Pedaços de vida



Ao ver L’Heure d’Été, tarde e a más horas, pergunto-me se não estará na altura de reavaliar Olivier Assayas enquanto realizador. Certo que não tenho qualquer vontade de rever Clean (2004), insuportável! mas Irma Vep (1996) será dos próximos filmes a entrar no meu já cansado leitor de VHS. E nada disto aconteceria se não tivesse visto o belíssimo filme supracitado, conto tchekoviano acerca de como um conjunto de três irmãos gere o processo de luto matriarcal.

O mérito inicial de Assayas é o de saber rodear-se das influências certas. Algum Renoir, muito Hou Hsiao Hsien e até algum Téchiné, com quem Assayas escreveu o magnífico Le Lieu du Crime (1986). Um filme burguês (e é curioso pensar que se Marx tivesse o que queria não havia cinema francês...), famílias “bem” e a fantástica capacidade de nos fazer ter por aquela gente a simpatia que se calhar não teriamos noutras situações. Adicionalmente, todo o filme se passa no binómio campo-Paris, na forma como as duas realidades se concatenam, no modo como ambas espelham a definição daquela classe social ao longo dos tempos. Por último, nos filmes vêem-se a(s) estética(s) realista(s) -atente-se, nem por isso menos estilizadas - das influências que Assayas emprega. Com a sua câmara à mão, com os seus toques impressionistas (os planos nos automóveis em que os rostos se confundem com os reflexos) e com o naturalismo dos desempenhos dos actores, é como se o filme se desenvolvesse à nossa frente, acontecendo simplesmente apesar da sua cuidada preparação.
Para o fazer, há uma progressão romanesca gerida com classe, que pode ser aferida através das temáticas dos três actos que, de forma óbvia o compõe. No primeiro, quando a matriarca ainda está viva, é um filme sobre a confraternização (o “bonding”, no sucinto termo inglês), clinicamente interrompido pela sombra da morte – fantástico plano da grande Édith Scob, em outonais tons azuis, antecipando o seu fim. No segundo, é mais vincadamente acerca do luto, do seu lado burocrático e progressivamente mercantilizado e da passagem de um tempo, tentando transformá-lo em algo de positivo para o futuro. Finalmente, no terceiro, é acerca da eventual reconciliação, onde esse futuro é apresentado e onde tudo entra no seu lugar como que naturalmente, sem qualquer julgamento maniqueísta face ao que foi e ao que vem.

Sobretudo, pode ver-se aqui, talvez de forma algo rebuscada, não um comentário mas um testemunho daquilo que é a globalização em 2008/2009. Os irmãos que acompanhamos encontram-se distribuídos entre Paris, Nova Iorque e Shanghai, numa forma de dispersão que, para o bem e para o mal, fragiliza os laços familiares e mimetiza os actuais percursos da riqueza e das trocas culturais. Sobretudo, o que vemos é a dispersão do património que não poderá, de maneira nenhuma, por motivos práticos, manter-se na velha casa. Entre o dinheiro gerado pelas vendas, que se dividirá pelas três metrópoles, o espólio físico – que irá para o Musée d’Orsay – os cadernos do tio pintor – a serem leiloados pela Christie’s –, dá a ideia de uma Europa já nem culturalmente centro de nada, perdendo lentamente a sua capacidade de concentração de bens para um mundo em mutação. O Musée d’Orsay (que encomendou este filme juntamente com Le Voyage du Balon Rouge (2007) de Hsien mas que, como no caso anterior, pouco aparece), surge como o modo de Paris manter a sua relevância, já não viva ou dinâmica, mas numa luxuosa prisão para ser admirada. Parecendo que não, é até um filme de algum substrato “político”, mesmo que, repita-se, nunca condenando qualquer forma de mudança.

Se o anterior cinema de Olivier Assayas me havia parecido frio e desinteressante (ao ponto de não ir ver, por manifesto desinteresse, o anterior Boarding Gate), durante 90 e poucos minutos preocupei-me realmente com os sentimentos e a evolução daquela gente. O que é ainda mais notável tendo em conta que, apesar de tudo, L’Heure d’Été é um filme enxuto, pouco dado a sentimentalismos e a grandes momentos, mantendo um tom largamente uniforme. Mas dá a melhor das ilusões cinematográficas, a de estarmos perante um pedaço de vida. E isso continua, hoje e sempre, a ser impagável.

04 outubro 2009

The Bourne Seca


Não posso dizer que perceba os dois primeiros filmes da saga Bourne, que vi no final da semana que passou. É certo que são muito competentes nas perseguições automóveis, sobretudo a que existe a meio do primeiro filme. De resto? Personagens com a mesma espessura intelectual do José Eduardo Bettencourt, actores que recebem o mesmo que o presidente do Sporting mas parecem estar noutro sítio (e se são óptimos actores, Matt Damon, Brian Cox, Joan Allen, Chris Cooper...). Alguns dos locais mais belos do planeta (a sempre fantástica Paris, por exemplo, bem como o estonteante litoral italiano) tratados como se fossem o mesmo sítio - deve ser a globalização. Uma temática relevante (lidando com o xadrez mundial, através das relações americanas com governantes africanos e oligarcas russos) nem por um momento tratada com profundidade. Um estilo visual “cibernético”, aparentemente modernaço, mas que é igual a tantos outros filmes que por aí andam. E, por último, a tentação de encenar toda a acção aos tremores, abanando a câmara, dando uma falsa sensação de ritmo mas que, pelo menos para mim, tornam complicado perceber o que está a acontecer. Podem ser sucessos, se puder vejo o terceiro "à desobriga" apenas para completar a saga, mas não vejo o interesse.

01 outubro 2009

Preston Sturges (2)


Christmas in July é o segundo filme de Preston Sturges, estreado, como o anterior The Great McInty, em 1940. Filme de curta duração – pouco passa de uma hora – dá uma importante lição em termos de comédia: este é um género que se quer o mais rápido possível. É verdade que o exemplo tinha sido dado anteriormente pelos mestres Hawks e Cukor (pensemos nas saraivadas verbais de His Girl Friday ou The Women, respectivamente) ou por discípulos futuros (lembremos a cena da perseguição a Nicholas Cage em Raising Arizona), mas tudo em Christmas in July, os seus trocadilhos, jogos verbais e duplos significados bem como a entrega acelerada das falas relembra este facto basilar.

História de um sonhador empregado de escritório que pretende alcançar a riqueza vencendo um concurso radiofónico para a atribuição de um slogan a uma marca de café e que pensa tê-lo vencido quando os colegas lhe pregam uma partida, é também uma história de como os sonhos desmesurados podem ser facilmente destruídos. Mas é, mais importante do que isso, uma demonstração de como o sucesso mais facilmente surge derivado de factores exógenos do que intrínsecos. Assim, o protagonista acaba por demonstrar boas ideias (o slogan que oferece quando, derivado da alegada vitória no concurso, o patrão o promove ao departamento de marketing é francamente superior ao submetido a concurso), mas toda a aprovação deriva de uma nova concepção feita do protagonista a partir daquele momento.

É uma obra vincadamente operária, acerca do sonho de uma vida melhor, sem preocupações. Interpretado por Dick Powell (de The Bad and the Beautiful de Minnelli e de The Tall Target de Anthony Mann, entre outros) e Ellen Drew (com longa carreira de secundário e participante em Stars in My Crown de Jacques Tourneur), é um filme menor, mas cuja sedimentação de processos se afigura fundamental para o que viria depois.