29 maio 2010

Born to be Wild (Hopper RIP)

Entrevista de Maria João Seixas ao Público

(...)não tenho os conhecimentos do João Bénard. Terei um pequeno grão da mesma paixão.

Então porque aceitou o cargo, cara Maria João Seixas?

De resto, deleguei a programação no dr. Pedro Mexia. Perguntei-lhe quais as áreas que ele gostaria que lhe fossem delegadas e ele escolheu as duas que eu mais gostaria para mim [risos]: programação e ANIM. Embora me tivesse ficado uma outra de que nunca abro mão, que é a do pessoal.

Traduzindo: não sou bem directora, sou mais uma técnica de recursos humanos…

Tenho pena que se sintam guerreados pela casa, acho que essa não era intenção do dr. Bénard da Costa. (…) Mas não é por uma questão diplomática que o faço. Acho mesmo que por alguma razão se afastaram alguns cineastas desta casa e eu gostaria de conseguir reaproximá-los para eles perceberem que de facto esta casa é deles. Só que o ser deles implica uma parceira, não é propriamente à maneira que eles querem, tem de ser da maneira que melhor encontrarmos para servir as duas partes.

Cara Maria João Seixas, pago-lhe um café no Starbucks se conseguir ser ainda mais vaga do que isto.

Gostaria de reforçar o orçamento para os trabalhos de restauro do ANIM.

Até que enfim, um projecto para o futuro. E esta deve ser uma área prioritária para a Cinemateca. Afinal de contas, da RTP Memória estamos todos fartos.

(…) montar uma rede fiável de equipamento de projecção digital e contribuir com o acervo da Cinemateca para a circulação de filmes e para dar a ver com regularidade cinema de qualidade a quem se está a formar neste momento na Net. (…) Gostaria que esse trabalho pudesse ser feito até à ilha do Pico.

Primeiro ponto, não há nada de mal em um cinéfilo usar a net como meio de formação. Segundo ponto, eu também gosto muito de ficção científica, sobretudo numa altura em que, tarde ou cedo, seremos governados pelo ultra-neo-liberal dr. Passos Coelho e pelas sempre culturalmente atentas pessoas do PSD – lembram-se do grande secretário de Estado da Cultura que foi Santana Lopes?

Do meu ponto de vista, isso reforça a obrigação estatutária de qualquer cinemateca de insistir na história do cinema, nos clássicos, aqueles que já ninguém vai ver, ou que podem ver em DVD os mais interessados, aqueles aonde ainda existe uma cinefilia que a minha geração reconhece como tal.

Aqui, fico contente.

Em Portugal, ao contrário de muitos países europeus, não temos uma lei que era essencial para enriquecermos o nosso acervo, que é uma lei de depósito legal que obrigasse os distribuidores comerciais a depositarem. Os outros países têm acervos fantásticos, podem variar. Nós temos de comprar, e comprar é muito caro. Há distribuidoras que, quando lhes apetece e se lhes apetece, depositam uma cópia, mas isso não é feito sistematicamente.

Uma falha gritante. Se a sra. Ministra é assim tão apaixonada pela causa do cinema e se temos uma deputada-actriz na Assembleia da República, era uma boa altura para acabar com este problema.

O Partido Socialista é a família política com que me identifico. Não sou militante, mas se me perguntarem o que é que eu sou ideologicamente, direi que faço parte do Partido Socialista. Sinto-me bem com essa pertença mas nunca fui próxima do Partido Socialista. E a nomeação que eu tive, que também me surpreendeu na altura, foi quando o eng.º António Guterres me convidou para a assessoria cultural do seu gabinete. Os únicos lugares que eu tinha tido decorriam das minhas relações com um dos capitães de Abril - o meu capitão de Abril -, o major Vítor Alves. Com a eng.ª Maria de Lourdes Pintasilgo, trabalhei na Comissão da Condição Feminina e depois, quando ela foi primeira-ministra, não trabalhei com ela. Depois, tive intervenções nas campanhas presidenciais do dr. Jorge Sampaio, do dr. Mário Soares e do prof. Manuel Maria Carrilho quando se candidatou à presidência da Câmara Municipal de Lisboa. Tudo isso fiz sem ter nenhuma relação directa com o partido. A minha participação nas campanhas não trazia nenhum isco na ponta, isto é, eu não estava à espera de ser compensada com nada.

Este segmento da conversa deixa-me sentimentos mistos. Por um lado, o que há mais é gente diz não estar envolvida com ninguém mas que aparece em todo o lado e o facto de não ter cartão de militante não muda em nada uma ligação política que a própria Maria João Seixas assume. Por outro, as pessoas têm direito à sua filiação e a ser julgadas pelo seu trabalho e não pelas suas ideias políticas. Porém, permanece a pergunta: o cargo de director da Cinemateca passou a ser um cargo político? Se assim for, estamos mal.

BALANÇO: Há boas ideias de futuro para a Cinemateca, mas são poucas. Outras são francamente negativas (quem criticou as escolhas de ciclos de João Bénard da Costa não poderá ficar contente com o ciclo Os Filmes dos Presidentes) e outras ainda francamente indiferentes (perante a necessidade de mostrar obras completas de cineastas como António Reis, António Macedo ou António Campos, o ciclo de grandes sucessos do cinema português acompanhado por debates é igual ao litro). Sobretudo, parece-me que será um momento de navegação à vista, não apenas devido à crise mas também porque falta uma ideia clara, discernível, do que a directora quer para o espaço. Assim, este primeiro mandato de Maria João Seixas no cargo parece ser um espaço intermédio, onde se lançam pedras para o futuro mas onde ainda se vive uma certa indecisão pós-Bénard. Uma coisa parece certa: com Maria João Seixas a Cinemateca não será um espaço de militância total e quererá agradar a gregos e a troianos. E aqui voltamos ao problema central da entrevista: como isto será feito não se percebe muito bem. Teremos de esperar para ver.

(Sobre a questão da Cinemateca do Porto escreverei um post isolado, se tudo correr bem)

27 maio 2010

30 de Agosto de 1992



Ao fim de uma porrada de tempo lá consegui ver a emissão do programa Palcos, da RTP-2, dedicada ao mítico concerto dos Nirvana no festival de Reading. E aquilo que a gravação mostra coincide, em parte, à visão entretanto construída: um momento charneira, uma banda no topo da sua forma, o zeitgeist do último grande sub-género que o rock produziu (assim entendido, que não há nome para o que na última década fizeram Strokes, Interpol, Queens of the Stone Age ou White Stripes). Por outro, é inegável que a realização, competente mas algo indiferente, e o esbater do papel do público, com o ruído diminuído e os planos de conjunto escassos, tornam o documento menos marcante do que poderia ser. Por outras palavras, se jamais os Nirvana foram melhores do que naquele momento, pelo concerto é por vezes difícil apreende-lo como cúmulo do grunge.

Porém, enquanto via, não pude deixar de pensar nas seguintes coisas:

i) Há algo de estranho em ver os Nirvana num festival inglês, como há em pensar neles numa cidade/subúrbio norte-americano. Aquela música tresanda a pinhais, rios, frio ou, na pior das hipóteses, a um bairro white trash com condições meteorológicas dignas da cidade de Twin Peaks. Quem o terá percebido melhor foi mesmo Gus van Sant – outro distinto habitante do noroeste dos EUA - no seu brilhante Last Days (2005).

ii) Há muito quem pense que Kurt Cobain se suicidou por ter sido vítima da ideia que criou de si mesmo, a estrela de rock torturada e intransigente para com os seus valores. Melhor dizendo, também Cobain se poderá ter convencido de que era o que os outros viam nele. Puro erro. Aquela música já soava a morte muito antes de 4 de Abril de 1994. Se calhar, a morte é isso mesmo: uma guitarra em perpétuo fuzz.

iii) Comecei a ver, adorei “Aneurysm”, “Drain You” comoveu-me com memórias de outros tempos, “Come As You Are” lembrou-me porque foi esta a primeira banda rock de que verdadeiramente gostei e “Smell’s Like Teen Spirit”, constatei, não perdeu pingo de actualidade. Mas, a meio de um alinhamento arriscadíssimo, que deixa para o fim não os hits mas diversas canções de Bleach (1989) e Incesticide (1992) e antecipa In Utero (1993), algo na minha atenção se perdeu, regressando apenas para a destruição final dos instrumentos, surpreendentemente mais lúdica do que revoltada. Parece que já não consigo levar uma banda tão a sério quanto os Nirvana queriam ser levados, nem os épicos Arcade Fire, nem os sacrossantos The National, nem os actualíssimos LCD Soundsystem. Hoje, até Kurt Cobain é vitima do meu cinismo.

10 maio 2010

32


Foi um dia inesquecível. Fui um dos 64 mil na Luz, fui um dos 100 mil no Marquês, um dos orgulhosos por o Benfica ter sobrevivido ao ambiente digno de regimes da África sub-sariana vivido no Porto há uma semana, um dos felizes por ter visto um campeonato ganho a um Porto que fez praticamente os mesmos pontos que quando é campeão (não havendo espaço para o alegado abaixamento de forma com que justificaram o título encarnado em 2005) e um dos divertidos com o discurso aprendido com o Padrinho de Domingos Paciência (o clube que ganha jogos com bolas fora contra o Marítimo, arbitragens inacreditáveis contra o Guimarães e um guarda-redes amigo contra o Paços de Ferreira queixa-se dos arbitros que lhe deram o 2º lugar). Digam o que disserem, foi sem espinhas. Embora ainda estejamos uns furos abaixo, desde os títulos que José Mourinho ganhou pelo Porto que não havia um campeão tão justo.


Ah! Tentei tirar uma foto dentro do túnel do Marquês, para dedicar àquele senhor, mas a PSP selou o túnel. Tive de me contentar com uma foto um pouco à frente.E que aliás está o prodígio técnico que aqui se vê.




Vamos lá ver como é para o ano.

03 maio 2010

11º dia de IndieLisboa

Como uma estância balnear na primeira semana de Setembro, no domingo o IndieLisboa dava a entender o seu próprio fim. Pouca gente nas sessões, pelos menos as primeiras, a Culturgest francamente às moscas e uma certa exaustão no ar, a ideia de que o mais importante havia passado (apesar da exibição vespertina de Visage de Tsai Ming-Liang e de Life during wartime de Todd Solondz, a que não pude comparecer). Neste contexto, o fecho com Symbol de Matsumoro Hitoshi, indegesto pós-modernismo dividido entre a luta livre mexicana e uma qualquer câmara dos horrores saída da Twilight Zone até fez sentido. Não foi o pior filme que vi no festival, mas foi de certeza o mais irrelevante.

Foi uma semana e meia com muito trabalho, com alguns grandes momentos e com outros que decerto não recordarei. No geral, cobrir um festival é estranho: a certa altura começa a custar ver tantos filmes de seguida, mas temos a certeza que dentro de uma semana vamos ter saudades. É como ir a um festival de música no Verão, em que nos chateamos pelas filas para a cerveja e pelo tempo que demora até vermos a banda que queremos, mas depois nos invade a nostalgia de termos de esperar um ano para ver outro. Por mim, só me resta dizer: até para o ano e obrigado pelos filmes que vi neste.

10º dia de IndieLisboa

Às vezes, Werner Herzog espalha-se. É o caso de My son my son what have ye done, desenxabida variação edipiana a partir da Oresteia, sem consistência, sem interesse e sem sequer conseguir aproveitar um Michael Shannon em grande forma. Percebe-se porque David Lynch o produziu mas não o realizou. Destaque apenas para a estranha fotografia, por um lado aproveitando o sol omnipresente de San Diego, por outro escurecendo frequentemente o primeiro plano e os rostos dos protagonistas.