20 julho 2012

Magic Mike (Steven Soderbergh, 2012)


Magic Mike, apesar de ter sido encomendado a Steven Soderbergh pelo actor e produtor Channing Tatum, mantém uma elevada coerência dentro da obra do realizador. Como o anterior The Girlfriend Experience, estamos perante um filme que se quer como documento da crise que, desde 2008, assola o mundo ocidental. Duas partes de uma mesma moeda, estes filmes lidam com o sexo como comodidade e como refúgio económico no meio da crise, enquanto os sonhos e as ambições são postas de lado (definitivamente?). Ambos os filmes são sobre o sexo enquanto fantasia, enquanto escape das dificuldades do mundo, ela como a namorada contratada, ele como fantasia de macho para meninas e senhoras em férias. Mais fluído e menos fragmentado que o seu duplo, Magic Mike joga também a sua relevância no facto de ser, cronologicamente, uma continuação de The Girlfriend Experience: se aquele se situava no início da crise, pouco depois do pânico em Wall Street e vendo a reacção deste mundo ao meltdown, este filme situa-se no presente, quando a crise que nos diziam ser passageira ainda perdura na economia real - a cena chave é claramente quando o empréstimo bancário é recusado a Tatum: três noites por semana pode ser o rei, no mundo real ninguém quer saber dele para nada, nem o banco nem a fuck buddy que só o quer bonito e calado. Assim, a crise aparece não apenas como um factor material mas também, ao não lhe permitir cumprir os seus sonhos, como um obstáculo à sua afirmação pessoal.

Se, então, sociologicamente, Magic Mike é um filme importante pelo modo como mede o pulso ao momento actual, por que não sou adepto incondicional do filme? Essencialmente, nem sempre gosto das opções estéticas tomadas por Soderbergh, nem neste filme nem em The Girlfriend Experience, de que este filme é um duplo não apenas temático mas também formal. Onde o anterior era filmado em tons de vermelho e azul, este é um filme predominantemente em tons (demasiado) saturados de amarelo e pastel (com a excepção das sequências no clube, em azul metalizado) que, se dão ao filme um tom condizente com a sua localização geográfica, na Florida, tornam-no algo enjoativo visualmente. Também desgosto das escolhas de objectivas que o cineasta faz, que dão, em muitas cenas, backgrounds desfocados ou a frente dos planos demasiado escura. Nada que impeça este filme de ser, sobretudo, uma importante visão sobre o momento actual, económica e humanamente, confirmando a relevância presente da carreira de Steven Soderbergh.   

17 julho 2012

O Fim da Minha Vida Enquanto Festivaleiro


Durante anos dizia, e acreditava, que só aguentava toda a trampa que um gajo tem de aguentar durante o ano por causa dos festivais de Verão. Uma ou duas vezes por ano, em Julho ou em Agosto, passava um longo dia de Verão a ouvir boa musica, a beber cerveja fresca e a banhar-me em vento e sol. Vi coisas magníficas ao vivo, confirmei grandes artistas e também tive a minha quota parte de desilusões. Contudo, tendo ido a dois festivais de 3 dias neste Verão (incluindo o Primavera Sound, no Porto, no meu primeiro festival fora da área metropolitana de Lisboa), creio estar no fim da linha no que toca aos festivais.
Sempre achei que gostava dos festivais por tudo o que neles havia de mau - ou por achar que essas dificuldades faziam parte da mística dos eventos. Hoje em dia,  não aguento essas mesmas coisas. A multidão  não me parece uma comunidade ou uma reunião das tribos, mas uma chatice insuportável; a cerveja e a comida  não me parecem caras, parecem-me exorbitantes; os grunhos que vão buscar cerveja para eles e para os amigos e pisam toda a gente no regresso as filas da frente   me parecem merecedores de um soco nas trombas, assim como aquele grupinho que não parava de conversar durante os Radiohead no Optimus Alive merecia ser corrido à mangueirada; as casas de banho  não me parecem apenas apenas sujas, parecem-me viveiros de infecções daquelas que aterrorizam qualquer antibiótico; e nem me façam falar da chatice que e passar de um palco para o outro, aos encontrões e tropeções numa corrente impenetrável
Apesar de tudo, mesmo no Optimus Alive deste ano ainda houve dois momentos extra-musicais memoráveis: o pão com chouriço ainda quente comido a ouvir os Cure interpretar "The Lovecats" ou o por-do-sol ameno que, sentado no chão do passeio marítimo de Algés, me batia na face ao som de "Naive", a única boa canção que os medíocres The Kooks alguma vez escreverãoNão posso dizer que seja a ultima vez que irei a um festival, tudo dependera dos nomes em cartaz (se os Smiths se reunissem, até a um festival no Tibete eu ia -los) , mas a partir de agora darei prioridade a concertos de sala onde possa ver a face dos artistas e onde não tenha que levar com cinco bandas fracas antes de ver aquelas que eu quero ou de deixar o carro (literalmente) a 3 km de distância e ter de andar 45 minutos depois dos concertos para ir para casa. No futuro, então, festivais  por causa de bandas que me sejam muito, mas mesmo muito queridas. Obrigado, então, às bandas que vi em festivais ao longo destes 14 anos - estreei-me no SBSR realizado dentro da Expo 98: Morphine (a poucos dias da prematura morte em palco de Mark Sandman), Franz Frdinand (no primeiro festival que vi com a minha mulher) , Editors, The National, Gogol Bordello, Vampire Weekend, The Strokes, Arcade Fire, Stone Roses, James, The Cure, Suede, Flaming Lips, Beach House, Radiohead e muitos outros. Pode ser que nos vejamos num Pavilhão Atlântico, num Coliseu, num Campo Pequeno ou numa Aula Magna.    

03 julho 2012

Faustrecht der Freiheit (Rainer Werner Fassbinder, 1975)



As histórias de casais onde um ama demais e se sacrifica por um escroque explorador são abundantes na tradição ocidental. Em 1975, Rainer Werner Fassbinder transformou-as com o seu 23º (!!) filme, Faustrecht der Freiheit, ao ser capaz de colocar uma dessas histórias no meio homossexual, que ainda para mais é retratado com realismo: há drag queens, saunas e soirées, mas sobretudo a surpresa deste não ser um panegírico gay, mas antes um filme onde os homossexuais são retratados com os mesmos defeitos que os heterossexuais, numa formulação mais literal que propagandística. Fox, o protagonista, jovem homossexual proletário e intelectualmente limitado, trabalhador de uma deprimente feira ambulante e que acaba por ter um golpe de azar quando lhe saem 500 mil marcos na lotaria e que se passa a dar com a elite da comunidade homossexual de Munique é, então, vítima do amor que sente por Eugen, ao ser limitado, controlado e expropriado pelo objecto do seu amor, que nunca o deixa evoluir. Porém, Fassbinder tem a inteligência de dispensar o fait-divers e de inclusivamente dar um lado quase ontológico à sua narrativa: o que está em causa é também a forma como a sociedade capitalista, mesmo uma social-democracia à época evoluída como a Alemanha, é capaz de maltratar e espoliar os seus elementos proletários, não apenas espoliando-os mas também impedindo-os de se exprimirem na sua individualidade (é Fox, simbolicamente interpretado pelo próprio Fassbinder, que diz que só quer ser ele próprio e é belíssima a sequência do jantar com os pais de Eugen, onde todas as atitudes do protagonista são julgadas pelo crivo da posição social da família do seu amante). Vejamos também o seu pessimismo latente, senão atente-se na atitude das crianças que perpetram o último roubo contra o herói, símbolo de um futuro que não mudará. Filme subversivo no conteúdo mas não nas formas, competentemente clássicas e lineares, dá-nos porém algumas sequências superlativas – a melhor de todas a sequência final, a única em que o cineasta germânico opta por estilizar verdadeiramente e mostrar Fox na sua verdadeira luz: uma pietà gay e proletária que não encontra sequer mãe que a chore.